Sinceridade por 40 dias

Numa modorrenta tarde de final de ano, meu colega de trabalho comemorava a compra de um livro pela Internet por módicos dez reais. Perguntei qual livro era, ao que me respondeu relatando a sinopse de uma curiosa obra. O autor, jornalista alemão, se propôs a passar 40 dias sem mentir para ninguém. A sinceridade era o assunto da obra, misturado com as confusões que ele arrumou ao longo do projeto. Logo fiquei interessado pelo assunto. Dias depois, após a chegada da encomenda, o amigo me oferecia emprestada a obra. Ele não poderia ainda começar a lê-la, por causa da fila de leitura um tanto longa. Não hesitei e apanhei o livro.

Poucas vezes um livro me surpreendeu tão positivamente. Verdade, mentira, falsidade e sinceridade são assuntos eternos. Jürgen Schmieder — esse é o nome do autor — faz o leitor concluir isso logo nos capítulos iniciais, nos quais faz uma resenha um tanto caótica de citações da literatura universal e da cultura pop. É bom ler frases sobre a verdade da lavra de um Santo Agostinho misturadas a passagens bíblicas, intercaladas por trabalhos acadêmicos atuais, finalizadas com recomendações extraídas de pesquisas de Internet sobre gurus de auto-ajuda. Tudo misturado à narrativa pessoal da empreitada, num tom irreverente. Aliás, advirta-se o leitor: talvez a irreverência incomode, mas renderá ótimas risadas.

Percebe-se uma progressão dialética do assunto à medida em que avançam os capítulos. De início, o autor confunde sinceridade com espontaneidade e somente arruma confusões. Logo faz a distinção dos conceitos de verdade e inverdade, distinguindo-os da sinceridade e da falsidade. Fez lembrar-me das palavras de Roger Scruton, que nos ensina que a “sabedoria é a verdade que consola: há verdade sem sabedoria, e há consolação sem verdade.” Com o passas dos dias e das páginas, o conceito vai se refinando, à medida em que a sinceridade começa a formar novelo com o outro tema condutor do livro: o amor.

De fato, essa obra termina por ser uma obra sobre o amor. Ao revelar o projeto para a mulher, ela não demora para antecipar os problemas que poderiam surgir, e que de fato apareceram. Com os dois, damos boas risadas e passamos também a apreciar uma verdadeira relação amorosa, que faz descortinar as dimensões da verdade. A relação de amor com a família e com os amigos — e seus limites — também aparece em segundo plano e há interessantes constatações a respeito delas.

Mas a história nos cativas não apenas com amor e amizade a história cativa. O capítulo sobre a declaração de imposto de renda é hilário e consolador para os brasileiros. Em outra parte, uma verdadeira teoria dos jogos pode também ser intuída no capítulo em que Schmieder explica como jogou pôquer falando somente a verdade. Tudo misturado com aquela sinceridade nos comentários a respeito da anatomia feminina das que passavam pelos dias da Quaresma de nosso heroi.

A obra frustrou-me justamente por sua virtude. Afinal de contas, abordar a sinceridade é assunto tão apaixonante que nos faz evocar nossas próprias opiniões, vivências ou obras já estudadas. Por exemplo, não pude deixar de lembrar das lições de teologia moral onde se ensinam as condições em que faltar com a verdade é justamente o comportamento que se espera de alguém. Ficamos sempre a pensar que ele poderia ter abordado isso ou aquilo. Por outro lado, Schmieder por vezes cansa com seu falatório. Algumas páginas ou mesmo capítulos podem entediar um leitor, como eu, mais apressado e ansioso. Se ele fala tanto quanto escreve, deve cansar seus colegas de redação…

Entretanto, o balanço geral do livro é muito positivo. Aliás, se não fosse, não gastaria esse tempo todo escrevendo esta pequena resenha para dividir com os amigos. Pois para os amigos tentamos oferecer apenas coisas boas. Eis uma delas. Bom proveito!

https://www.travessa.com.br/sincero-a-historia-real-e-bem-humorada-de-um-homem-que-tentou-viver-sem-mentir-1-ed-2011/artigo/8da8b617-b2be-4f28-a08c-93cc0965068d

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