Natal nas Galáxias

Desde menino sou apaixonado por ficção científica. Quando mamãe me levou ao cinema para assistir E.T., tinha apenas quatro anos de idade e não gostei. Fiquei assustado com a aparência do protagonista. Porém, poucos anos depois eu assistiria encantado “O Retorno do Jedi” em VHS, na casa de uma tia. O ano era 1984, o mesmo em que era lançada a adaptação cinematográfica de “Duna”. Também esse filme, que foi uma frustração comercial para seus produtores, me encantou. Passava as tardes ociosas me imaginando o personagem principal de uma saga que misturava elementos de Guerra nas Estrelas, Piratas do Espaço, Duna, entre outras sagas de fantascienza (deliciosa palavra cunhada pelos italianos para designar o gênero). Assim começou uma paixão que persiste teimosamente até os dias atuais.

Muito mudou no clima geral da ficção científica desde os tempos em que ela me cativou. Há cerca de 40 anos, predominavam histórias de um universo povoado de espécies múltiplas, que coexistiam, guerreavam, se aliavam ou mesmo tomavam drinques lado a lado em balcões de bares. A galáxia era o habitat e o domínio de muitos. As histórias tinham um quê de capa-e-espada, predominando o tom heróico ou romântico. Em tempos mais recentes, a temática tornou-se mais sombria, justamente com uma visão de universo alterada. Se antes a galáxia era habitada por criaturas com as quais os homens podiam interagir, hoje predominam ambientes mais inóspitos. Mesmo em casos nos quais o universo é plenamente habitado, o ambiente sideral passa longe de ser algo acolhedor. No cosmos imaginado por Cixin Liu em sua obra máxima “O Problema dos Três Corpos”, alguns dos personagens, em passagem crucial da saga, elaboram um conjunto de teoremas de sociologia espacial, onde as relações entre civilizações são explicadas pela analogia da floresta escura. Nela, cada uma cuida de se esconder e de eliminar quem aparecer em seus radares. Ambiente inóspito.

Nos últimos anos abundam imagens de um universo desértico. Recordo-me de “Interestellar”, onde a humanidade perscruta um universo estranho e silencioso. Ou de “Ad Astra”, no qual um astronauta enlouquece ao procurar em vão vida inteligente em exo-planetas. O conjunto de romances de James Corey, recentemente adaptados para o Netflix em algumas temporadas sob o título “The Expanse” também apresenta uma humanidade que entra em contato com uma antiga e extinta civilização, com a qual não pode mais interagir, mas somente visitar seus antigos mundos abandonados. Argumento parecido com aquele apresentado no já clássico romance de Carl Sagan “Contato”.

Acredito que o universo imaginário de um autor de ficção científica seja um reflexo de sua visão deste mundo e deste universo. À semelhança de um grande desmatamento seguido pela implantação de monocultura, a galáxia da fantasia científica sofreu uma brutal redução de sua biodiversidade em favor de um ambiente monótono. Palavras e conceitos exaustivamente repetidos no discurso público revelam grandes ausências daquilo que se proclama. O tanto que se fala em diversidade revela o quanto ela falta no Ocidente hoje, mas isso é assunto para outra conversa…

A mesma desolação que constato na ficção científica mais recente pode também ser observada na religiosidade do homem ocidental contemporâneo, o qual alterna posições de ateísmo, agnosticismo ou simplesmente uma indiferença com o mundo espiritual. Mesmo entre os cristãos, cresce uma visão de espiritualidade na qual toda e qualquer relação espiritual somente pode ser feita com o Deus supremo. Não há mediações, nem simplesmente interlocuções espirituais. A floresta deu lugar ao deserto ou à monocultura. No caso da fantasia, a galáxia deixou de ter uma gama de civilizações vivas para ser um grande e angustiante vazio, quando não um cemitério de mundos mortos. Curioso paralelismo. Há honrosas exceções, é claro. Recordo-me do interessante romance “Binti”, de autoria de Nnedi Okorafor, onde o universo está repleto de criaturas e espíritos. Coincidência ou não, a autora é de origem nigeriana. Alguém declarou recentemente que a África é o reservatório, a caixa d’água, de espiritualidade de um mundo desidratado…

Isso me dá o que pensar. Está chegando o Natal, tempo de recordar uma visita especial. Se levarmos tudo a sério, o que aconteceu na Palestina há cerca de 2000 anos é completamente inusitado. O cosmos foi visitado por seu criador. O universo passou a ser habitado por aquele que o projetou. E não simplesmente na forma de contemplação espiritual, mas na forma carnal de uma criatura pequena, frágil e mortal.

Me dá pena imaginar um universo desértico e desabitado. E celebrar o Natal é constatar justamente o contrário. Sob a luz das estrelas, à sombra das nebulosas, não há silêncio e morte, mas vida e a presença amorosa do Criador. Não há mais ausência. Há presença e companhia. Vivemos numa casa habitável. Olhando o presépio sob uma perspectiva galáctica, sinto gratidão pela companhia do dono em sua criação, seu projeto, sua propriedade. Dias atrás, um tio me contou que os antigos da roça costumavam dizer que uma casa, quando fica vazia, passa um pouco de tempo e seu telhado cai. A simples presença do morador preserva a solidez da cobertura das casas. Assim é nosso universo com o Natal: não se arruinará nem se tornará um lugar deserto, mas será pleno de vida e de amor.

Um feliz Natal!

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Uma resposta para Natal nas Galáxias

  1. Muito bom! Que esse “viajante extraterrestre” que chega no Natal possa preservar sempre nosso telhado de cair, pir sua simples presença entre nós! Feliz Natal!

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